Passa um dia inteiro e converso-te.Passa inteiro por mim, hora por hora,tic tac tic tac...Disfarço.
Falo-te,sussurro-te por dentro.Tento disfarçar o silencio a que me transporta a tua ausencia.A solidão espreita-me de dentro para fora e vagueio pela casa, como se tivesse sentido,ou alguma direcçao.Como se fosse resolver esta agonia latente e interminavel de te saber perdido e desamado.Culpo-me.
Passo a outro dia.Sucedem-se na troça do tempo.Rodeio-me de vida,para dispersar o cheiro a acre que emano,tapo as chagas com flores.A minha existencia troça-me e faz pouco do ajuste,sabias...Faz pouco do meu esforço...Procuro a ponta do novelo...E nada.
Lembro-me das madrugadas que fiquei a olhar para ti,dormes com tanta paz meu amor.Sempre invejei o teu sono .Profundo.Sempre invejei as tuas certezas,furias e fraquezas,sempre invejei os teus erros,até nisso soubeste ser perfeito,pelo menos para mim.Percebo-os todos.Aceito-os todos.Essa é a nossa diferença.Tu esperas-me melhorar.Eu só espero que não deixes de me amar.Lembro-me das madrugadas que fiquei a olhar para ti...Dormes com tanta paz meu amor.
Pensei sempre que tivessemos algo inedito os dois.Juntos.Pensei: é isto o principio que tanto esperei.Afinal eu também serei feliz.Não me ocorreu que fosse aquele o momento.Não me ocorreu pois nunca soube realmente do que se tratava.Tratava-se do agora,do viver.
Esse segredo bem guardado que todos parecem saber menos eu.
Hoje sei que esse momento foi toda a felicidade que já tive.
Hoje, fui feliz e nao o soube.
Fizeste-me feliz.
Mas isso já sabes, já to disse tantas vezes...Que ficou banal, como dizer que te amo.
Passa mais um dia inteiro meu amor,sussuro-te.Sussuro-te que nao passa um segundo, nem um só,sem que te queira falar.Sem que te queira...Falar-te de mim, falar-te de ti.De nós.Do mundo todo junto e misturado.Em nós.
Passa um dia inteiro,e eu conto-te lendas e sonhos.Da vida que sonho AINDA.Para nós.Falo-te dos cheiros, toques e cores,desse terceiro que nos envolve.Do teu olhar pousado na minha pele.Deste-me a mão e eu acreditei.
Corremos a vida neste um ano, amando-nos separadamente,eu amei-te de um lado e tu amando-me do outro,como que em quartos afastados numa casa onde ninguem se encontra,ninguem se cruza.Fomos insanos de pensar ser possivel amar em literatura.
Amo-te aqui.E tu amando-me noutra realidade qualquer.A vida aconteceu-nos e nós... como se fossemos realmente livres,como se fossemos realmente nossos.
Passa um dia inteiro e eu falo-te, sussuro-te por dentro,do amor que me tiveste, não do que tenho,esse nao se perde sabes...Falo-te do amor que me tiveste e sem o qual, sinto que diminuo, encolho. Hoje vivo presa numa cidade interior criada por mim, uma vida que não quero.
Morro nesta vida.
Mirro-me ao espelho,
Tenho olhos negros de passaro morto
Tenho olhos negros de passaro morto
Tenho olhos negros de passaro morto...
Saber isso é o que me faz humana, saber-me irremediavelmente morta e infeliz.
As roupas arrastam-se assim como o dia.
Do teu amor sussurro-te,na esperança que não o esqueças
Que não o partas
Que não o deixes
As palavras falham porque nao chegam,porque peço-lhes o que não sei...
Que soube eu do teu amor...
Se soubesse,talvez ainda aqui estivesses.
Tu e ele,preenchendo-me.
Validando-me.
Creendo-me como possivel, viavel e presente.
Mas as palavras não chegam porque nao sabem o que te tenho.São capsulas vazias que envio e nunca te chegam...Cansaste-te e nao te condeno.Já nem podias ouvir-me dizer que te amo.Só isso ja bastava para eu saber.Cansaste-te.
Falo-te e já passou o dia,o silencio volta,a roupa cai,chegou a noite e agora meu amor...
Só te sinto ausente.
Até amanhã.